quarta-feira, 3 de junho de 2015

Casamento


Estou contigo porque gosto dos nossos dias todos iguais. Encontrei aquilo de que os outros fogem. Rotinas. Gosto de saber com o que posso contar. Controladora? Pouco aventureira? Todos gostamos do nosso canto, e o meu é na companhia dos nossos silêncios, das coisas que gostamos, de sermos uns bichos do buraco enquanto os outros exibem as suas vidas em festa.
Escrevo isto com as unhas da mão esquerda pintadas e as da direita por pintar. Aproveito estas linhas para o verniz secar. Parvoíces. Pintar as da mão direita é mais difícil, requer treino, aperfeiçoamento, engenho. Agora já o faço melhor. É como essas teorias das pessoas que vivem juntas, que superam crises e cedem e abdicam de coisas para ter outras. Eu faço o que me apetece, não cedo, sou mandona e parva. Não posso estar com alguém para ser o que não sou. Ao menos aqui, connosco, sou eu. Em outros palcos sou a actriz falhada que sabes, da tristeza frustrada do fim do dia, de saber que o dia seguinte será igualmente mau.

“Dói-me a garganta. Tu também minha querida.”
É por isto. Pela tua incondicionalidade mesmo quando não me ouves. Pela constante segurança expectável. Pela ausência de surpresas, que detesto. Ou só porque estás meio a dormir e já não escutas com clareza, mas mesmo assim respondes algo revelador deste segredo.

Fotografia de Rui Garrido

terça-feira, 2 de junho de 2015

O favorito do mês - Maio 2015


Escolha fácil e óbvia, saibam porquê aqui.
E amanhã é o lançamento. 18h30 na Fnac do Chiado. É de ir! :)


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Novos Habitantes - Maio 2015


Obrigada ao Nuno Nepomuceno e ao João Reis por me terem oferecido os seus livros, assim como à Planeta, Presença e à Topseller. Parabéns pela coragem, sabe-se lá o que pode sair das minhas opiniões.
Os outros agradeço ao meu saudável vício por livros. Assim me convenço.
Isto é bonito, tenho de agradecer mais vezes.

Espero por ti


Espero por ti. Há tanto tempo que espero por ti e nunca mais chegas. Ponho de lado a revista, pego no livro. Leio uma linha e levanto a cabeça a ver se vens aí. Nada. Levanto-me. Estico-me. Espero-te. Todos os dias desde há tanto tempo.
Então penso em ti. Ouço o teu riso na minha cabeça, como uma música que tenha gravado para nunca mais esquecer. E é esse riso feliz que me ampara de noite, quando adormeço no sofá e espero que o dia volte.
Sonho que me tocas e acordo. Em sobressalto. Mais uma memória, não és tu. Sou eu. Só eu. Está calor e abro a janela para a noite sem lua. O ar quente entranha-se na pele, formam-se gotas de suor no meu pescoço, que imagino serem os teus lábios, os teus beijos, o teu cheiro.
Regresso ao meu banco na estação. Levanto o olhar a cada comboio que chega, expectante quando as portas se abrem, e os passageiros ganham o chão do seu caminho. Eu estou aqui e tu? Virás? Passou algum tempo, não somos os mesmos. Passaram anos, demasiados talvez, outras pessoas. Pensarias em mim com outras? Eu pensei. Muitas vezes. Demasiadas. Por isso imagino o que poderia ter sido. Imagino incansavelmente. É esgotante pensar tanto. Querer sempre o que não se tem, achando que o que se quer é o que se merece.
Arrefece. Visto o casaco. Lembro a noite em que vagueámos sós pela cidade. De madrugada ficou mais frio, a noite engoliu o Verão só para os teus beijos me fazerem arder. Bebemos vinho ao pé do rio e o céu foi ficando mais claro. Uma noite é o ciclo do que quer que houve. Isso e a promessa do reencontro aqui, no mesmo lugar, uma experiência sociológica parva, todo este tempo atormentada pelo “se”. Se eu esperar ele também espera? Se eu for ele também vai? O dia chegou, eu estou aqui, com os sons daquela noite e o teu cheiro na memória.
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De comboio o tempo passa devagar e eu tenho pressa de te ver. Porquê tanto tempo para este reencontro? Tanto tempo perdido à espera, enganando os dias com outros encontros e as noites com outras na minha cama. Éramos miúdos mas eu sabia, nessa noite, que estaria aqui, hoje, neste dia marcado.
Quando sair do comboio será da mesma forma? Virás contra mim sem veres por onde andas? Distraída com as malas procurando a linha, atrasada para o comboio. O comboio não esperou que os nossos olhos se largassem, e ficámos sós, a meio das viagens, numa encruzilhada de desejos novos.
Olho pela janela e reconheço a paisagem. Ainda estou longe e já procuro por ti. Virás ter comigo?