segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Nada de ti aqui, Maria Ana


Ainda não passou um mês e já não há nada de ti aqui, Maria Ana.
Só eu, que continuo teu.
Da janela ainda te vejo a arrumar as últimas malas no carro. Inventei uma desculpa para não te ajudar mas estava exactamente aqui, escondido atrás da cortina, vendo-te enfiar a vida num Smart, debaixo da chuva de um dia triste, o Black a latir e a chapinhar com as patinhas nas poças da estrada.
Quase um mês sem vos ouvir subir pelo prédio ao fim do dia. O Black com a trela solta batendo escada acima, e os tacões das tuas botas pretas marcando o teu passo sempre apressado, talvez dois degraus de cada vez para o arreliar numa corrida que no fim o deixavas ganhar. E eu ficava à espera, sabendo que, depois de entrares em tua casa, pousares o casaco e a boina, retocares o batom vermelho e penteares as pestanas, virias para aqui com os textos e os planos e os sonhos.
Esta sala era o teu palco. Eu fui o teu primeiro público, e serei o teu eterno público, mesmo se um dia as luzes do palco se apagarem para ti, e o sonho não se cumprir, e as palmas não se fizerem ouvir, eu continuarei atrás da cortina a olhar o estacionamento vazio com o sonho a forçar a imaginação de te ver chegar.
Lia as falas contigo. Dizias que contracenávamos mas eu era um miserável ponto, daqueles que falham os tempos e se perdem nas páginas da peça. O problema é que me perdia na tua luz e ficava surdo na tua gargalhada, mesmo a gargalhada encenada, falsa, enganosa, perfeita de trabalhada, capaz de te sair da alma em pranto.
Maria Ana, tenho saudades de ser só eu a gostar de ti. De não receberes cartas, e-mails e flores dos admiradores que não sabem quem és e que te querem sem te conhecer. Que são enganados pelas tuas personagens, pela falsidade com que te inventas para pisar, uma vez mais o palco, ficando tu, Maria Ana, à espera do fim, no camarim.

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