quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Postais de Natal


Os postais estão prontos. Escrevi cada um como se pudesse falar com o destinatário. Imaginei-nos sentados na minha sala, eu na minha poltrona preferida, tomando uma bebida e fumando um charuto devagar e com prazer.
Dediquei cada palavra escrita a essas conversas imaginadas. O riso bom que, fechando os olhos pude ouvir. O sol entrava impetuoso pela vidraça larga enquanto eu dizia à Joana, olhos nos olhos, que lhe desejo o melhor Natal de sempre. Beijei-lhe as mãos com amizade e fiquei mais um pouco com as suas mãos nas minhas, sentindo a retribuição das minhas palavras.
As minhas mãos estão frias, aqui, onde não chega o sol. A luz artificial, demasiado forte e branca, ilumina os envelopes fechados. Levanto-me e percorro a minha existência em poucos passos. Ouço o silêncio, duro e constante, apenas interrompido pelo som das gargalhadas imaginadas dos meus filhos. Ou então, chamando-me à realidade, o momento em que o guarda abre a porta da cela. Também lhe dediquei um postal de Natal. Se em tempos tinha gosto de os partilhar com os colaboradores da minha empresa, agora faço-o com aqueles que, curiosamente, trabalham para quem está preso.
O que mais me custou foi escrever com uma esferográfica transparente de bico constantemente borrado, e ter de, no final da escrita, abanicar no ar o postal de modo a poder fechá-lo sem esborratar as palavras.
É a primeira vez que passo o Natal na prisão. Não é assim tão mau. Habituei-me a dizer que está tudo bem. Já o faço de forma automática e convincente, junto-lhe um sorriso não demasiado rasgado, mas bem treinado, e prossigo contando às visitas que estou a rentabilizar o meu tempo, agora que os dias estão todos por minha conta. Digo-lhes que vou escrever um livro, um romance sobre as minhas viagens. Mas no silêncio da noite, na minha cela nua, eu sei que todas as palavras que escrever denunciarão o meu fracasso.
Amanhã a Joana deve vir, como faz todos os Domingos. Sou eu que lhe seco as lágrimas enquanto mostro, forte, que estou bem. Depois regresso a este mundo fechado de solidão com vozes. Vozes que não me soltam os pensamentos e que, no silêncio da noite, me falam gritando. Por vezes, tal é a necessidade de esquecer, tomo um comprimido para dormir. Não me lembro do momento de aconchego que separa o estar acordado do entrar, suavemente, no limbo da inconsciência. Penso de forma nebulosa antes do tombo fatal para o vazio de uma noite negra e pesada, sem sonhos, sem memórias ou sensações. Apago-me neste Natal que não quero viver.
Pai Natal, para mim, uns comprimidos para a tristeza, por favor.

Sem comentários:

Enviar um comentário